Entre Juízes e juízes: hierarquias veladas, pirâmides e (des)igualdades
Abstract
Este trabalho tem como proposta pensar a desigualdade jurídica a partir das hierarquias verificadas entre os Poderes da República, dimensão até então inédita em nossos trabalhos, que sempre se preocuparam em articular a desigualdade jurídica sob a perspectiva das relações entre os cidadãos e o Estado, explicitadas na elaboração das leis e na aplicação das leis. Nesse contexto, a problematização que nos inspirou surgiu quando foi divulgada na mídia a "Operação Métis"[1], deflagrada no bojo da Lava Jato, em outubro de 2016, com a prisão de quatro policiais legislativos. Entendemos que este episódio seria emblemático para explicitar outros nós da cultura jurídica brasileira, permitindo-nos agregar mais densidade descritiva a um de seus traços mais marcantes, que é a desigualdade jurídica. Embora o episódio seja datado do ano de 2016, ele tem atualidade, não apenas porque, recentemente, no ano de 2019, o STF anulou as medidas de busca e apreensão implementadas no bojo da operação[2], como também porque o caso instalou uma "crise" entre o Poder Legislativo e o Poder Judiciário, diante da manifestação do Senador Renan Calheiros, então Presidente do Congresso Nacional, que se sentiu "ofendido" pelo fato de o Congresso ter sido alvo de buscas e apreensões determinadas por um "juizeco" de 1ª instância, nas próprias palavras do referido Senador. Nesse contexto, este trabalho é mais uma peça no quebra-cabeça de nosso "mosaico de desigualdades" e nos permitiu pensar as hierarquias internas e veladas entre Poderes da República. Verificamos, a partir dos discursos e das inspirações teóricas de que nos valemos, que, para fora, o Poder Judiciário se apresenta como um todo, único, indivisível e igualmente aviltado pela fala do Senador. Para dentro, o Poder Judiciário se apresenta como uma pirâmide - dimensão da desigualdade jurídica que não havia sido, até então, pensada em nossos trabalhos anteriores. O nível de desconsideração a que a magistratura se viu submetida através da fala do Senador representou uma ameaça à manutenção da ordem vigente - de independência entre os Poderes - mesmo que esta estrutura também comporte hierarquias veladas. Tanto é assim que o sufixo de depreciação "eco", usado pelo Senador, foi visto como um gatilho para o que se chamou, na oportunidade, de "crise entre poderes". O caso do Senador e do Juiz nos inspirou, porque ele nos pareceu revelador de dimensões de honra e dignidade que se mesclam com as reflexões sobre desigualdade jurídica que vínhamos fazendo até então e nos remetem a outras possíveis dimensões de nossas pesquisas.[1] Segundo a Folha de São Paulo, no dia 21 de outubro de 2016, a Polícia Federal deflagrou a chamada Operação Métis, que tinha por finalidade desarticular uma suposta organização criminosa, que buscava atrapalhar as investigações da Operação Lava Jato. Disponível em:. Acesso em 06 nov. 2016.
[2] Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), em sessão realizada no dia 26 de junho de 2019, declarou ilícitas as interceptações telefônicas e a quebra de sigilo de dados telefônicos envolvendo senadores da República, ocorridas no âmbito da Operação Métis. De acordo com a decisão, proferida no âmbito da Reclamação (RCL) nº 25537, em razão da prerrogativa de foro conferida aos parlamentares, pela CRFB/88, a medida, autorizada por um juiz federal, teria usurpado a competência do STF. A decisão foi tomada por maioria de votos, porque os ministros Marco Aurélio e Celso de Mello votaram pela improcedência total da reclamação. No entendimento de ambos, os atos deferidos pelo juízo da 10ª Vara Federal seriam lícitos, pois atingiu policias legislativos e apenas se estivesse comprovada a participação de parlamentar federal é que haveria a competência do STF para supervisionar as investigações. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=415121>. Acesso em 08 nov. 2020.
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